De acordo com o primeiro índice de Complexidade de Compliance Corporativa publicado, realizado pela TMF Group, o Brasil é o sétimo país mais complexo do mundo para a implementação de um programa de compliance. Por complexidade se tem a dificuldade para que uma determinada empresa esteja em conformidade com os regulamentos comerciais, governança corporativa, ética e transparência.
A notícia não surpreende, pois tive a oportunidade de trabalhar com a apresentação do programa de compliance na prática (CGU e Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba), quando foi perceptível a dificuldade de que as companhias têm de tirar do papel a essência do seus programas para efetivamente aplicarem no dia a dia as regras de conduta que elegeram em seus códigos como um retrato fidedigno de suas respectivas atuações. Grosso modo, o órgão de controle quer e deve fiscalizar o chamado ‘compliance vivo’, pouco ou quase nada importando se o programa é bonito e chamativo apenas no papel.
Aí reside a principal dificuldade encontrada por esse primeiro é importante estudo. Evidentemente, a matéria é ainda “nova” no Brasil e não despertou totalmente o necessário interesse, seja pela cultura, seja por essas dificuldades mencionadas no estudo, seja por custo, seja por falta de norte, seja por falta de profissionais. Ainda há tempo!
Como ponto de partida, sugere-se a mudança de cultura no sentido de que o programa de compliance, ao invés de ser tratado apenas como um custo, seja concebido como um verdadeiro investimento para a proteção empresarial da pessoa jurídica, que, ao meu sentir, deve ser prestigiada sempre pelo Estado, por girar economia, empregar e pagar tributos. Tanto que, nos dias atuais, programa de integridade não somente é visto pela lei anticorrupção como instrumento para diminuição de penas, mas, nas relações privadas, cada vez mais, exigido e imposto pelo parceiro comercial. Não são raras as cláusulas que obrigam ao contratante a adesão e submissão ao programa de compliance da outra parte, com impactos significativos no cotidiano de uma empresa. Mas por onde começar?
O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) entende e analisa um programa por meio de grandes cinco pilares: comprometimento e apoio da alta direção; instância e departamentos responsáveis e autônomos; análise prévia de perfil e mitigação de riscos; estruturação das regras e instrumentos de condutas internas e externas e estratégias de monitoramento contínuo, que são basicamente distribuídos pelos 16 parâmetros trazidos pelo artigo 42 do Decreto nº 8.420, de 2015.
Será duramente criticado o ‘compliance de papel’, aquele aparentemente formal, porém, materialmente, não cumpre a função da lei é muito menos é compatível com o funcionamento da empresa. A partir da realidade de mercado, devem ser analisadas as atividades empresariais que deverão constar no manual de conduta e processos internos de mitigação de riscos (‘red flags’), além dos valores sociais e empresariais que aquela companhia julga ser seu espelho, sua meta, a busca de sua função social.
A efetividade de um programa de integridade dependerá do envolvimento direto da alta administração da empresa, quem deverá dar o exemplo como verdadeiros líderes (“tone at the top”). A prática tem revelado que a transgressão ao compliance, geralmente, ocorre na parte de cima da cadeia hierárquica da companhia. Fundamental a criação de um amplo e sério canal de denúncias, sendo que algumas pesquisas dão conta de que a linha direta é a principal forma de descobrimento de atos lesivos, para tratativa de 100% dos casos recebidos, com mecanismos eletrônicos e presenciais que possibilitem a funcionários, fornecedores e clientes, de forma segura, sigilosa e transparente, comunicar ações suspeitas.
Deverá ser constante a aplicação de novos institutos e o aperfeiçoamento das políticas internas não só às novas realidades sociais e de mercado, mas também às mudanças legislativas, por meio de um monitoramento contínuo que garanta harmonia com o novo ambiente no país. Para tanto, importante ter um agente encarregado exclusivamente pelo programa de compliance dentro da estrutura interna da empresa, sem prejuízo de auditorias externas, mas quem inclusive tem sido eleito pelos órgãos de controle como um porta voz da companhia nesse espectro.
Compliance que tenha linhas mestras em regras estrangeiras, deverá, embora sem delas se divorciar, ser tropicalizado para a realidade nacional. Não adianta, por exemplo, prever apenas regras com base no FCPA, quando, na verdade, há lei doméstica tratando do assunto. Em legislações internacionais, outro exemplo, pode a pessoa jurídica realizar doações a partidos e políticos, quando aqui, como se sabe, o Supremo Tribunal Federal apenas permitiu a doação por pessoas físicas.
A livre iniciativa e seus princípios constitucionais garantem a busca pelo lucro lídimo, movimentam a economia e contribuem para o custeio do Estado. Porém, há uma realidade bastante atual que tempera essa perspectiva no sentido de que o compliance seja fundante de um sistema de prevenção – e não mais somente de punição – de atos corruptos, ou aqueles que têm potencial de aniquilar com a marca e ou acabar com a reputação da empresa no mercado.
Quem prevenir de forma eficiente, punir de forma justa, renovar-se de acordo com a realidade do momento, ser transparente, lutar pela marca e bom nome, fazer por onde ostentar sua reputação hialina, certamente, em tempos tão conturbados, terá reconhecimento de sua conduta exemplar, por parceiros e clientes.
A CGU (selo Pró-Ética) e outros órgãos de certificação estão oferecendo certificados para empresas com compliance efetivo, o que pode ser uma ótima bandeira de marketing para seu negócio, principalmente se pensado com um investimento para uma consentânea realidade de busca pelo mercado limpo, calcado na concorrência leal e na busca por valores com os quais hoje fazem de nosso passado não muito distante parecer sombrio.
ESTADAO | BY FÁBIO MARTINS DI JORGE