1 Principais características do departamento de Compras
A área de compras desempenha atualmente um papel fundamental na realização dos objetivos estratégicos da empresa, pois “comprar bem é um dos meios que a empresa deve usar para reduzir custos” (DIAS, 2008, pág. 260). Neste contexto, os autores MARTINS (2006) e POZO (2007) também citaram:
A gestão da aquisição – a conhecida função de compras assume papel verdadeiramente estratégico nos negócios de hoje em face do volume de recursos, principalmente financeiros envolvidos, deixando cada vez mais a visão preconceituosa de que era uma atividade burocrática e repetitiva, um centro de despesas e não um centro de lucros (MARTINS, 2006, pág. 81).
A função compras é vital para o processo de redução de custos da organização, com negociações adequadas e inteligentes, o administrador de compras poderá reduzir os gastos na aquisição de materiais e produtos desnecessários ao dia-a-dia da empresa (POZO, 2007, pág.170).
GONÇALVES (2004) traz a seguinte definição da função Compras:
A função Compras a que nos referimos diz respeito a todo o complexo que envolve o processo de planejamento da aquisição, licitação, julgamento das propostas de fornecimento de materiais e serviços, bem como a contratação de fornecedores destinada ao fornecimento dos materiais e serviços utilizados pelas empresas. Todo esse complexo de atividades, mesclando diversos objetivos muitas vezes conflitantes, é dirigido a uma única finalidade: garantir que materiais e serviços exigidos sejam fornecidos nas quantidades corretas, com qualidade, no tempo desejado. (GONÇALVES, 2004, pág. 194).
Os objetivos de Compras, de acordo com DIAS (1993) são:
- Obter um fluxo contínuo de suprimentos a fim de atender aos programas de produção;
- Coordenar esse fluxo de maneira que seja aplicado um mínimo de investimento que afete a operacionalidade da empresa;
- Comprar materiais e insumos aos menores preços, obedecendo a padrões de quantidade e qualidade definidos;
- Procurar sempre dentro de uma negociação justa e honesta as melhores condições para a empresa, principalmente em condições de pagamento. (DIAS, 1993, pág. 259).
Para ARNOLD (1999), o ciclo de compras consiste nos seguintes passos:
- Receber a analisar as requisições de compra;
- Selecionar fornecedores, encontrar fornecedores potenciais, emitir solicitações para cotações, receber e analisar cotações, selecionar o fornecedor certo;
- Determinar o preço correto;
- Emitir pedidos de compra;
- Fazer um acompanhamento para garantir que os prazos de entrega sejam cumpridos;
- Receber e aceitar as mercadorias;
- Aprovar a fatura para pagamento do fornecedor. (ARNOLD, 1999, pág. 209)
“Como a atividade de Compras envolve a parte financeira, ou seja, as empresas fornecedoras e as que ainda não são, sempre querem vender mais e mais, é preciso muito cuidado e transparência neste relacionamento” (FERNANDES, 2016, pág. 1). As características básicas de um profissional de Compras são: “lealdade, capacidade analítica, perseverança e respeito aos valores estabelecidos” (HEINRITZ; FARRELL, 1983, pág. 85).
O comprador deixa, então, de ocupar uma posição de caráter operacional para participar de uma função mais estratégica. A percepção da totalidade da empresa, das vantagens competitivas, das tendências mercadológicas, das prioridades das áreas de marketing e vendas e o acompanhamento do planejamento estratégico da empresa fazem com que o profissional de Compras tenha melhor visibilidade e desempenhe um papel cada vez mais importante dentro das organizações. A garantia da qualidade dos insumos, entregas no prazo, aliadas à redução dos custos, automação dos processos, gestão profissional com controles mais rigorosos, além do ato de comprar bem, passaram a ser requisitos primordiais para o sucesso dos negócios da empresa. O comprador profissional não tem como aumentar o faturamento da empresa, a não ser de forma indireta, mas pode colaborar para a lucratividade empresarial, reduzindo custos na sua área de atuação e cumprindo com suas responsabilidades (PINHEIRO; ALVES; MONTE ALTO, 2009, pág. 28).
2 Fraudes no departamento de Compras
A definição de fraudeapresentada por WELLS (2002), então presidente da Association of Certified Fraud Examiners, uma das principais e maiores organizações de estudos de fraude e corrupção no mundo, é:
[…] tudo que a engenhosidade humana pode conceber e é utilizado por um indivíduo para ter vantagem sobre outro por meio de sugestões falsas ou omissão da verdade. Isto inclui surpresa, engano, esperteza ou dissimulação e quaisquer outros meios injustos por intermédio dos quais outra pessoa é enganada (WELLS, 2002, pág. 2201).
A Pesquisa Global sobre Crimes Econômicos no Brasil, feita pela PWC (Price Waterhouse Coopers) em 2014, apurou que 44% das empresas vítimas de crimes econômicos no Brasil sofreram fraudes no processo de Compras. Deste percentual, 74% dizem que a oportunidade é o fator principal que leva o fraudador a cometer um crime econômico, seguido da pressão e da racionalização, ambas com 13%. Segundo a pesquisa, 69% das vítimas detectaram fraudes durante a seleção do fornecedor, 63% na sua contratação e 56% no convite para participação em processos de licitação. A pesquisa aponta que 64% das fraudes são de origem interna, ou seja, com a participação dos funcionários, onde 35% trabalham na empresa de 6 a 10 anos, 39% são gestores e o mesmo percentual (39%) são membros da equipe, 87% são homens e 52% tem entre 31 e 40 anos. Em sequência, 74% dos entrevistados acreditam que os crimes ocorreram porque houve falhas que permitiram a fraude.
A KPMG, em sua pesquisa sobre o Perfil Global do Fraudador em 2016, que analisou 750 casos em 81 países dos cinco continentes, mostra que as fraudes estão mais frequentemente relacionadas à cadeia de fornecimento de bens e serviços, como compra de matéria-prima, transporte de mercadorias, serviços de manutenção e conservação e obras de expansão ou reformas. De acordo com a pesquisa, fraudes em suprimentos têm geralmente origem no assédio dos fornecedores, pressionados por metas agressivas e que prometem retorno rápido aos compradores. GESTEIRA (2016), sócio da KPMG, disse que os fraudadores que agem sozinhos são pegos na maioria das vezes em função da revisão gerencial, acidentalmente ou pela auditoria interna. Para os fraudadores que agem em conluio, os principais métodos de detecção são delações, revisão gerencial e denúncias anônimas.
As delações e denúncias, sem sombra de dúvidas, têm tido a maior incidência de descoberta de grupos de cinco e/ou mais conluiados, o que sugere que outras formas de detecção possam ser ineficazes dentro de esquemas de conluio razoavelmente grandes. Deficiências nos controles internos são a principal porta aberta para as fraudes, e foram fundamentais para os desfalques em nada menos que 61% dos casos analisados na pesquisa. Um controle interno é deficiente quando mal planejado e quando não é seguido pelos empregados. Uma avaliação minuciosa do risco de fraude consegue demonstrar onde estão as lacunas (GESTEIRA, 2016, pág. 39).
No artigo disponível no site Expertconsultores, GOMES (2016) cita algumas das fraudes mais comuns nos processos de compras:
- Pelo Usuário: indicação de fornecedor exclusivo sem necessidade; solicitação de qualidade ou quantidade acima do necessário para beneficiar o fornecedor; solicitação de compra emergencial para favorecer determinado fornecedor; reforma de equipamento em fornecedor exclusivo onde o equipamento não apresenta problemas; reprovação de proposta técnica de concorrentes para favorecer um fornecedor e passagem dos preços dos concorrentes para um determinado fornecedor.
- Pelo Comprador: pressão diferenciada na negociação para favorecer um fornecedor; abertura das propostas dos concorrentes para um fornecedor; “escolha” da relação de fornecedores cotados para beneficiar um fornecedor e passagem de informações privilegiadas para um determinado fornecedor.
- Pelo Fornecedor: formação de cartéis; combinação de preços com outros concorrentes; entrega de produtos em quantidade ou qualidade inferior; aliciamento aos usuários ou compradores (propina em forma de dinheiro, presentes ou vantagens) e brindes ou cortesias para comprador ou usuário como forma de construir um relacionamento e tornar difícil a posição neutra deles.
- Pelo Recebedor: recebimento de uma quantidade menor e informação a empresa de uma quantidade maior (exemplos: combustível e medição de serviços) e recebimento de um produto ou serviço com qualidade inferior sem a devida compensação ou correção. (GOMES, 2016, pág. 3)
3 Motivos de cometimento de Fraudes
Os autores KRANACHER; RILEY; WELLS (2010) dizem que o grande responsável por ampliar os estudos sobre a realização das fraudes foi CRESSEY (1953), que buscou estabelecer as contingências que levam um indivíduo a cometer uma fraude. Ao identificar três características essenciais que ocorrem em todas as situações fraudulentas, o autor propõe o “Triângulo da Fraude” (Fraud Triangle), cujos vértices são: Oportunidade de cometimento, motivação e racionalização. A “oportunidade de cometimento” refere-se à capacidade de o indivíduo cometer alguma fraude, ou seja, ao fato de possuir habilidades, função, nível hierárquico, conhecimento, informações, etc. necessários para o cometimento. Além disso, destaca-se a fragilidade dos controles internos da organização e sua incapacidade de estabelecer procedimentos adequados para detectar a atividade fraudulenta. A “motivação ou pressão” aborda o que leva uma pessoa cometer determinada fraude, podendo ser de cunho pessoal ou organizacional. Existem pelo menos seis tipos de problemas interligados que propiciam o cometimento: endividamento, problemas pessoais, reversão dos negócios, isolamento físico, busca por status financeiro e relacionamento entre empregador-empregado. A “racionalização” estabelece que para que a fraude seja cometida, o indivíduo precisa encontrar uma justificativa para si e para outros que determinada ação não é errada. Tal ato envolve a busca da aproximação de seu comportamento das noções éticas comumente aceitas, ou seja, busca-se amenizar seu ato por meio de uma “flexibilização da ética” (KRANACHER; RILEY; WELLS, 2010, pág. 13).
Para CORDEIRO (2013), pode ocorrer fraude quando coexistem condições básicas: intenção, oportunidade, controle interno insuficiente, fragilidade de uma política ética associada a um código de conduta fraco e risco inerente à atividade. Para o autor, as motivações das fraudes podem ser resumidas nos seguintes grupos: vitais (subsistência pessoal, satisfação sexual, familiar); viciosas (vício de jogo, vício de sensualidade, vício de substâncias caras ou perigosas); profissional ou de cadeia (exaltação do eu, orgulho, alto padrão de vida, vaidade, vingança, ideologia, realização de um fim, proteção de alguém); próprias de certos tipos psicológicos (autossatisfação de enganar, tendência acentuada para fraudar).
4 A importância do Compliance para mitigação de fraudes
GESTEIRA (2016), sócio da KPMG, destaca algumas providências básicas para prevenção de fraudes no departamento de Compras, dentre elas, ferramentas de Compliance, como avaliação de riscos e canal de denúncias:
Implementar soluções completas de tecnologia e não apenas softwares que prometem detectar fraudes de forma isolada; realizar avaliações frequentes de risco de fraude como parte do processo de avaliação de risco da empresa como um todo; monitorar de perto os seus parceiros de negócios e outros terceiros que estão conduzindo os negócios em seu nome; e desenvolver uma cultura forte em que os empregados estejam cientes dos riscos de fraude e entendam como reagir a esses riscos, estimulando-os a utilizar os mecanismos de divulgação de informações, como o canal de denúncias (GESTEIRA, 2016, pág. 39).
GOMES (2016) também sugere alguns exemplos de redução de riscos de fraude em Compras, dentre eles, a construção de uma cultura de Compliance:
- Processo de recrutamento com testes psicológicos voltados a identificar desvios de caráter dos candidatos a compradores e gestores.
- Código de conduta que define como se relacionar com fornecedores e que define a política da empresa em relação a brindes e presentes. Deve ser claro e divulgado para empregados próprios e fornecedores.
- Auditoria periódica para verificar o cumprimento dos procedimentos e do código de conduta. A auditoria também deve ter foco na análise de dados retirados do ERP ou e-procurement, buscando indícios de fraudes em variações bruscas de consumo ou preço e compras não usuais.
- Criação de canais para denúncias anônimas. Os mais utilizados são telefone, carta ou website. A divulgação dos canais deve ser feita para todos os públicos interessados, com garantia de anonimato ao denunciante, equipe multidisciplinar para analisar as denúncias e retorno ao denunciante com as ações tomadas. Não se pode acusar ou tomar nenhuma atitude contra o denunciado sem a devida comprovação da fraude.
- Job rotation na área de Compras. O Job Rotation pode ajudar a quebrar relações não éticas entre compradores e fornecedores, muitas delas construídas através de relacionamento longo que leva ao excesso de intimidade entre as duas partes.
- Vigilância constante dos gestores sobre os atores de compras como uma forma de se construir uma cultura de compliance. Importante os gestores estarem atentos as características pessoais de cada subordinado e eventuais mudanças de comportamento. A habilidade para detectar sinais de fraude pode ser desenvolvida através da observação atenta e constante. (GOMES, 2016, pág. 4).
O termo Compliance pode ser definido como:
Um conjunto de regras, padrões, procedimentos éticos e legais, que, uma vez definido e implantado, será a linha mestra que orientará o comportamento da instituição no mercado em que atua, bem como a atitude dos seus funcionários (CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012, pág. 30).
A palavra Compliance vem do verbo em inglês “To Comply”, que significa cumprir, executar, realizar o que lhe foi imposto, ou seja, refere-se ao “ato de estar em conformidade com normas internas e externas inerentes ao exercício profissional, objetivando-se a mitigação de riscos legais” (COIMBRA; MANZI, 2010, pág. 2). O Programa de Compliance, de acordo com a OAB/MG (2016), se traduz como o meio – conjunto de ferramentas, sistemas, políticas e ações -, que tem como fim a conformidade da organização às regras aplicáveis ao seu negócio, garantindo a integridade como elementos norteadores da sua atividade.
Quando não há conformidade da atuação da empresa com as leis, regulamentações, códigos de conduta e boas práticas, ou seja, quando não há compliance, assume-se o “risco de compliance”, ou risco legal, que compreende:
- Prejuízos para a empresa como danos a sua reputação no mercado;
- Má distribuição de recursos;
- Comprometimento do nível de eficiência da empresa;
- Sanções administrativas, pecuniárias e até mesmo criminais. (MANZI, 2008, pág. 4)
Os programas de Compliance não impedem totalmente a ocorrência de atos ilícitos, porém a gestão do risco permite identificar, avaliar, monitorar, recomendar e reportar os riscos (MANZI, 2009, pág. 5), combatendo-os mais rapidamente.
Apesar de ter como um de seus objetivos a redução de riscos de ocorrência de atos ilícitos, os programas de compliance não são capazes de impedir totalmente que eles aconteçam apesar dos meios de prevenção adotados pela empresa, entretanto a existência de programa de compliance permite que esses atos ilícitos sejam identificados e combatidos mais rapidamente (MAEDA, 2013, pág. 171).
Os principais tópicos de aplicabilidade da Função de Compliance nas organizações são:
- Leis, Regulamentos e Normas – certificar-se da aderência e do cumprimento;
- Princípios Éticos e Normas de Conduta – assegurar-se da existência e observância;
- Procedimentos e Controle Interno – assegurar-se da existência de procedimentos associados aos processos;
- Sistemas de Informações – assegurar-se da implementação e funcionalidade;
- Planos de Contingencia – assegurar-se da implementação e efetividade por meio de testes periódicos;
- Segregação de funções – assegurar-se da adequada implementação a fim de evitar conflito de interesses;
- Prevenção à lavagem de dinheiro – fomentar a cultura de prevenção por meio de treinamentos específicos;
- Cultura de controles – fomentar a cultura de controles em conjunto com os demais pilares do Sistema de Controles Internos na busca incessante da sua conformidade;
- Relatório do Sistema de Controles Internos (Gestão de Compliance) – avaliação dos riscos e dos controles internos – elaboração com base nas informações obtidas nas diversas áreas da instituição;
- Participar ativamente do desenvolvimento de Políticas Internas, que previnam problemas futuros de não conformidade e a regulamentação aplicável a cada negócio;
- Relação com Órgãos reguladores e Fiscalizadores – assegurar-se que todos os itens requeridos pelos reguladores sejam prontamente atendidos;
- Relações com Auditores Externos e Internos – assegurar-se que todos os itens de auditoria relacionados à não conformidades com as leis, regulamentações e políticas sejam prontamente atendidos e corrigidos pelas várias áreas. (ABBI, 2009, pág. 11)
A ABBI define a missão de Compliance como:
Assegurar, em conjunto com as demais áreas, a adequação, fortalecimento e o funcionamento do Sistema de Controles Internos da instituição, procurando mitigar os Riscos de acordo com a complexidade de seus negócios, bem como disseminar a cultura de controles para assegurar o cumprimento de leis e regulamentos existentes. Além de atuar na orientação e conscientização à prevenção de atividades e condutas que possam ocasionar riscos à imagem da instituição (ABBI, 2009, pág. 10).
5 Evolução histórica do Compliance e a cultura de Controles Internos para mitigar riscos
Conforme visto acima, faz parte da missão de Compliance disseminar a cultura de controles para assegurar o cumprimento de leis e regulamentos existentes. CORDEIRO (2013) define Controles Internos como o plano de organização e o conjunto coordenado dos métodos e medidas adotados pela empresa para salvaguardar seu patrimônio, conferir exatidão e fidedignidade dos dados, promover a eficiência operacional e encorajar a obediência às diretrizes traçadas pela administração da companhia. De acordo com o autor, os princípios fundamentais que devem existir num controle interno são:
- Um organograma adequado onde as linhas de autoridade e responsabilidades estejam bem definidas entre todos do departamento;
- O ciclo completo de uma transação não deve ser executado por uma única pessoa. “Qualquer pessoa comete erros, deliberados ou não, porém é muito provável que o erro seja descoberto quando a transação, para sua completa concretização, necessariamente envolva duas ou mais pessoas” (CORDEIRO, 2013, pág. 74);
- Promover o rodízio de funcionários periodicamente de modo que cada um possa ser capaz de executar outras tarefas. “Todos necessitam de férias regulares, o que resulta em maior produtividade operacional e reduz a possibilidade de ocultação de fraudes” (CORDEIRO, 2013, pág. 74);
- Políticas e procedimentos claramente definidos que levem em conta as funções de todos. “Todas as instruções devem ser por escrito. Os manuais de procedimentos fomentam a eficiência e evitam erros” (CORDEIRO, 2013, pág. 70);
- Funcionários com um grau de qualificação e habilidade compatíveis com o cargo que ocupam;
- Execução adequada dos procedimentos determinados pela administração e garantia de que as normas estabelecidas estão sendo bem executadas pelos responsáveis pelo controle através da constante revisão e exames feitos por auditores internos e outros meios. “A finalidade da revisão do sistema de controle interno é determinar se ele estabelece certeza razoável de que os objetivos da organização são cumpridos de maneira eficiente e econômica” (CORDEIRO, 2013, pág. 67).
Sobre a revisão dos controles internos feita por auditores internos, é importante dizer que Auditoria interna e Compliance são diferentes. Compliance faz parte da estrutura de controles, enquanto a auditoria avalia essa estrutura. “Assim, a área de Compliance, como as demais, deve ser objeto de avaliação da auditoria interna” (MANZI, 2008, pág. 61 e 62).
A evolução histórica do Compliance sempre esteve correlacionada à necessidade de controles internos. Iniciou-se como resultado de acordos internacionais, resoluções e criação de instituições como o FMI e o BIRD, em 1944, que tinham o objetivo de monitorar o Sistema Monetário Internacional e garantir sua estabilidade. Posteriormente, o Comitê da Basiléia estipulou normas para regular a atividade monetária, das quais destaca-se os princípios fundamentais 17 e 18:
Os supervisores devem se assegurar de que os bancos adotam controles internos adequados ao porte e complexidade de seus negócios […] isso deve incluir regras claras para […] funções de auditoria interna independente e de verificação de conformidade apropriadas para testar a aderência a esses controles bem como a leis e regulamentos aplicáveis.
Os supervisores devem se assegurar de que os bancos adotam políticas e processos adequados […], que promovem altos padrões éticos e profissionais no setor financeiro e evitam que o banco seja usado, intencionalmente ou não, para atividades criminosas (BCB, 2006, pág. 9).
Em 1992, o COSO, da Comissão Nacional sobre Fraudes em Relatórios Financeiros, dos EUA, apresentou um modelo denominado “Internal Control – Integrated Framework”, conhecido como COSO I, que teve grande repercussão ao estipular que o controle interno deveria atuar de forma a prever riscos para entidades, expandindo o conceito, até então aplicado ao setor financeiro, e ligando-o à governança corporativa. Em 2002, foi aprovada nos EUA a lei Sarbanes Oxley (SOX), com o objetivo de “regulamentar de forma rigorosa a vida corporativa, destacando as regras de conformidade (compliance), prestação responsável de contas (accountability) e transparência (disclosure)” (MANZI, 2008, pág. 69). A SOX tornou-se referência mundial de modelo de boa governança e cultura ética, o que levou o mercado a perceber que não havia mais como desconsiderar a gestão de riscos, inclusive de compliance, em seus processos (MANZI, 2008, pág. 70). No Brasil, com a promulgação da lei 12.846/13 conhecida como Lei Anticorrupção, todas as empresas brasileiras e seus dirigentes passaram a ser expostos a graves consequências, na esfera civil e administrativa, por práticas de atos lesivos à administração pública, o que reforçou a importância do Compliance para mitigação do risco regulatório.
O Compliance pode, então, ajudar como proteção dos dirigentes contra alegação de culpa por omissão, além de reduzir as sanções aplicáveis à empresa. Segundo consta na Lei Anticorrupção: “Art. 7o – Serão levados em consideração na aplicação das sanções: (…) VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica” (MORAES; BREYER, 2016, pág. 1).
6 Política de Compliance para um comportamento ético
Segundo MANZI (2009), para que a cultura de Compliance seja efetiva, deve-se apoiar em elementos éticos. Para a autora, a disseminação de elevados padrões éticos na organização contribui para mitigação do risco atrelado à reputação, resultando credibilidade e transparência (MANZI, 2009, pág. 9).
“A palavra ética originou-se do grego “ethos”, que significa modo de ser, costume ou hábito. É a ciência da conduta humana, a teoria do comportamento moral das pessoas na sociedade” (PORTAL EDUCAÇÃO, 2015, online).
Sobre a ética nos negócios, NASH diz:
A Ética dos negócios é o estudo da forma pela qual normas morais pessoais se aplicam às atividades e aos objetivos da empresa comercial. Não se trata de um padrão moral separado, mas do estudo de como o contexto dos negócios cria seus problemas próprios e exclusivos à pessoa moral que atua como um gerente desse sistema (NASH, 1993, pág. 6).
De acordo com MATOS (2008), a Ética é o fundamento da sociedade e a ciência da verdade e do bem comum. Implica preservar a dignidade humana, a liberdade, a igualdade de oportunidades e o respeito aos direitos humanos. A Ética está na essência da cultura corporativa e a Educação é o fator determinante de sua formação e de garantia de excelência.
No momento em que a mídia diária traz a corrupção para as manchetes, a Ética e a responsabilidade social passam a ter dimensões estratégicas para as organizações. Para tanto, são fundamentais a Educação Corporativa e a Integração das lideranças. Preservar e desenvolver a consciência ética nos quadros humanos da organização é a condição básica de garantia de excelência da imagem institucional. Mas isso não basta; é imprescindível que se reforce a imagem com ações concretas, não só para a comunidade organizacional interna, como também para o público externo. É necessário traduzir o compromisso ético com realizações objetivas (MATOS, 2008, pág. 25).
Para MANZI (2008), são elementos fundamentais de um programa de compliance:
- desenvolver código de ética da organização;
- desenvolver os profissionais na capacidade de lidar com dilemas éticos;
- criar canais de identificação de condutas não éticas; e
- possibilitar a discussão de dilemas éticos.
A criação de canais de identificação de condutas não éticas, de acordo com LÍDICE (2017), deve-se embasar na responsabilidade e seriedade para sua eficácia.
O canal de denúncias (OMBUDSMAN), como Programa de Compliance, tem um papel fundamental, eliminando e corrigindo posturas antiéticas, em um esforço conjunto entre gestores, equipe, áreas envolvidas e terceiros, com foco no incentivo, fortalecimento e implementação da cultura ética nas organizações, na detecção de comportamentos antiéticos, fraudadores e detentores de informações, promovendo ações de melhores práticas, buscando uma gestão mais horizontal, com atuação imparcial, cuja ação terá sua eficácia, independentemente de nível hierárquico, mitigando potenciais conflitos nas empresas e instituições, sendo um grande aliado para gestão de risco organizacional (LÍDICE, 2017, pág. 3).
Quanto ao código de ética, LIMA (2004) traz a seguinte definição:
O código de ética é um padrão de conduta para pessoas com diferentes visões e experiências sociais sobre os fatos da vida. A empresa moderna atua em cenários cada vez mais complexos, participando de operações inovadoras, mesmo quando essas operações repetem atividades antigas. O código de ética pode servir como prova legal da intenção da empresa, ou seja, ele tem a missão de padronizar e formalizar o entendimento da organização empresarial em seus diversos relacionamentos e operações. A existência do código de ética evita que julgamentos subjetivos deturpem, impeçam ou restrinjam a aplicação dos princípios (LIMA, 2004, pág. 44).
De acordo com SUCUPIRA (2009), no desenvolvimento do código de ética, é importante que se leve em consideração, entre outros, os seguintes temas:
- Integridade pessoal dentro e fora da empresa
- Competência pessoal
- Cumprimento das legislações que afetam os negócios
- Conflito de interesses
- Manifestações de hospitalidade e presentes
- Confidencialidade de informações empresariais
- Comportamento ético nas negociações
- Ecoeficiência
- Responsabilidade social (SUCUPIRA, 2009, pág. 1)
Como exemplo, BAILY et al (2000) apresenta o código desenvolvido pela National Association of Purchasing Practice (NAPP), que trata como princípios e padrões da prática de compras, os seguintes itens:
- Considerar em primeiro lugar os interesses da empresa em todas transações e praticar e acreditar nas políticas estabelecidas;
- Ser receptivo ao aconselhamento competente dos colegas e orientar-se por tal aconselhamento sem diminuir a dignidade e a responsabilidade de seu trabalho;
- Comprar sem preconceito, procurando obter o valor final máximo para cada unidade monetária gasta;
- Conhecer com consciência os materiais e processos de produção e estabelecer métodos práticos para conduzir o trabalho;
- Apoiar e trabalhar pela honestidade e pela verdade nas compras e nas vendas e denunciar todas as formas de pagamento de propina;
- Na medida do possível, atender com rapidez e cortesia todas pessoas que exercem uma missão comercial legítima;
- Cumprir as obrigações e exigir que as demais pessoas cumpram as suas, e que as obrigações sejam consistentes com a boa prática empresarial;
- Evitar as práticas desonestas, mesmo quando consideradas legais;
- Sempre que possível, aconselhar e orientar outros compradores no desempenho de seus deveres; e
- Cooperar com todas as organizações e indivíduos engajados nas atividades destinadas a melhorar o desenvolvimento e a reputação da área de compras. (BAILY et al, 2000, pág. 437)
No contexto de comportamento ético nas negociações a ser observado no código de conduta, DIAS; COSTA (2000) alertam para a necessidade do comprador se manter distante dos interesses dos fornecedores:
[…] não obstante tudo isso, o comprador, durante a avaliação de um processo de compra de determinado material ou de contratação de serviço, deve manter-se eqüidistante de todos os fornecedores, evitando que aspectos pessoais e subjetivos interfiram nas suas decisões, beneficiando um único fornecedor em detrimento de outros e, conseqüentemente, da sua própria empresa. Neste ponto, nunca pode ser esquecido que o comprador profissional não está adquirindo materiais ou serviços para si, mas para a organização que lhe paga salários, e é sempre desse modo que ele tem de raciocinar ao avaliar as propostas dos fornecedores. Embora possa parecer óbvia, a colocação anterior se constitui em alicerce do código de ética de todo comprador profissional (DIAS; COSTA, 2000, pág. 219).
Colaborando com essa premissa, HEINRITZ; FARRELL (1994) acrescentam:
[…] o encarregado de compras (comprador) tem a responsabilidade ética, para com a sua empresa, de garantir que esta não apenas mereça, mas na realidade obtenha, em sua esfera de atividades, a reputação de fazer negócios estritamente corretos. Como ponto de contato nas negociações com os vendedores, ele mantém, em grande parte, em suas próprias mãos a reputação da empresa quanto àquele conceito. Pode ter a mais absoluta certeza de que suas ações e conduta são criticamente julgadas e que esse julgamento, favorável ou não, é rapidamente disseminado entre a ampla classe de vendas (fornecedores). (HEINRITZ; FARRELL, 1983, pág. 383-384).
FERNANDES (2016) cita alguns pontos de como o comprador pode agir em seus processos para ser considerado ético:
- Para qualquer novo processo de Compras procurar sempre realizar um workshop em conjunto com todas as empresas que vão participar do processo (e as áreas internas interligadas no processo como Qualidade, Engenharia, etc.) de forma que todos conheçam os concorrentes, onde as dúvidas poderão ser sanadas em conjunto, as regras serão determinadas e esclarecidas e as datas de entregas de propostas definidas em conjunto.
- Se não for possível um workshop, divulgar um documento para todos os participantes com as informações tornando público as regras e quem são os envolvidos no processo.
- Quando houver concluído o processo, ou seja, escolhido o fornecedor, divulgar a informação para todos os envolvidos no processo.
- Deixar claro qual é o procedimento e as regras para homologação para qualquer nova empresa que queira participar dos processos de cotação.
- Deixar claro para os fornecedores correntes de quanto em quanto tempo realiza pesquisas de mercado de forma a garantir a continuidade da compra pela melhor relação custo/qualidade/entrega.
- Deixar claro para qualquer nova empresa que sempre, mesmo que apareça uma melhor oferta na relação custo/qualidade/entrega, o fornecedor atual sempre terá um “lastcall” (desde que é claro esteja fornecendo a contento).
- Caso haja um fornecedor problema, eticamente é necessário informá-lo que será resolvido, inclusive por escrito relatando quais são as falhas, de forma que quando a troca ocorrer não será surpresa.
- Deixar claro as regras da empresa, seja para participar em cotações, regras para medição de performance, presentes, etc. e principalmente cumpri-las.
- Sempre que fizer cotações de mercado deixar claro o motivo pelo qual está fazendo (aumento de volume, item novo, pesquisa de mercado, etc.) de forma que as empresas não se sintam usadas.
- Se houver qualquer tentativa ou insinuação de suborno por parte de qualquer empresa (seja já fornecedor ou pretendente a fornecedor) comunicar à Supervisão/Gerência/Diretoria. (FERNANDES, 2016, pág. 2-3)
Programas de treinamento e conscientização ética a todos os envolvidos são de extrema importância, pois a disseminação da cultura de Compliance na estrutura organizacional gera a obrigação individual de cada colaborador em respeitar as normas e contribuir para a preservação da corporação, ou seja, é um processo contínuo e sistêmico de lidar, prevenir ou mitigar qualquer risco (COIMBRA, 2009, pág. 7). “Quando há clima ético, há comprometimento com uma filosofia básica. Ninguém admite, em consciência, transgredir as verdades comuns. É uma regra moral do grupo, e os transgressores são expurgados naturalmente” (MATOS, 2008, pág. 28).
Conclusão
Diante do exposto, concluiu-se a importância da adoção de uma cultura de Compliance, de modo a garantir que os processos de compras sejam praticados de forma ética e transparente, obedecendo aos regulamentos internos e externos, promovendo ações educativas e canais de denúncia e minimizando, assim, a ocorrência de fraudes e atos ilícitos.
Na prática, a política de Compliance em Compras pode ser vista, além de outras formas: no processo de seleção de fornecedores com critérios que escolham empresas idôneas; na criação de um Código de Ética para conscientização dos compradores; nas relações honestas e justas com os fornecedores; no estabelecimento de controles internos sistematizados e seguros, com auditorias de revisão e fiscalização; na realização de monitoramento de contratos, para verificar se as negociações estão sendo cumpridas; na criação de canais de denúncias e investigação de fraudes ou atos ilícitos, com ações para corrigir falhas e inibir novas práticas.
Controles internos devidamente estabelecidos e periodicamente auditados, juntamente com as regras e procedimentos éticos e legais das organizações definidos e conhecidos, contribuem para um comportamento ético por parte de todos os envolvidos e para o enfrentamento das possíveis fraudes, minimizando riscos de perdas e aumentando a valorização da organização perante seu público interno e externo.
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