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Artigo: Compliance Concorrencial, parte 2

Por Murilo Pastori Roberti

No primeiro artigo dessa série, introduzimos o tema de compliance concorrencial, seu contexto e sua legislação. Nesta semana, trataremos sobre “programas de compliance concorrencial”, de maneira a mostrar como implementar procedimentos, controles e ações que tratem o tema na condução dos negócios das organizações.

Boa leitura!

Programa de Compliance Concorrencial

Empresas e organizações deverão observar se um programa de compliance concorrencial é algo que realmente faz sentido à realidade em que estão inseridos e se estão expostos a riscos de violação à legislação concorrencial local e internacional, caso operem fora do Brasil ou sejam estrangeiras em operação no território brasileiro.

A identificação sobre existência de tais riscos vem do levantamento de riscos de compliance que deve ser realizado, e sobre o qual não será discutindo neste artigo. São cinco os principais pontos que podem gerar necessidade de implementação de controles e procedimentos visando condutas concorrencialmente corretas:

  1. Se a empresa ou organização é líder de mercado que atua;
  2. Se a empresa ou organização atua, em seu mercado, através de associação e/ou parcerias, tais como consórcios, joint-ventures, subcontratações, parcerias etc.;
  3. Se a empresa ou organização possui alta concentração de mercado em que atua;
  4. Se o mercado de atuação é monopolista ou oligopolista; e
  5. Se a empresa ou organização participa em associações de setor da indústria, câmaras de comércio, sindicatos, ou outros tipos de agremiação.

Todas as situações listadas acima são cenários em que podem ocorrer as violações previstas no Art.36º, §3º, I (“acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente”). Assim, se um, ou mais, dos contextos acima forem identificados como ambiente em que as empresas ou organizações estão inseridas, recomenda-se que um programa de compliance concorrencial seja implementado.

A título de se ilustrar melhor como os contextos listados podem se desenvolver na prática, identificam-se quatro situações que necessitam devida atenção dentro do cenário de riscos das empresas, sendo elas:

  • Cartéis: associação dos fornecedores de um mercado, ou de alguns fornecedores de um mercado, visando deturpar a livre iniciativa e conduzindo condições comerciais a patamares distorcidos, muitas vezes, para preços mais altos;
  • Cartéis em licitações: mesma associação de cartel para visando uma determinada licitação pública ou uma série de licitações;
  • Associações e sindicatos: cujos propósitos legítimos devem ser em prol da comunidade e não em benefício de poucos;
  • Condutas unilaterais e Restrições Verticais: “A prática por si só de condutas unilaterais não é considerada um ilícito. Em regra, será considerada anticoncorrencial uma vez associada ao efeito potencial de exclusão de competidores e sem que possam ser identificados benefícios para o consumidor.”

 

Boas práticas

O CADE desenvolveu e publicou em janeiro de 2016 um guia sobre programas de compliance concorrencial[1], cujo objetivo é orientar profissionais e empresas a ajustar seus controles para que busquem, “em primeiro lugar, prevenir e reduzir o risco de ocorrência de violações específicas à Lei de Defesa da Concorrência e, em segundo lugar, oferecer mecanismos para que a organização possa rapidamente detectar e lidar com eventuais práticas anticoncorrenciais que não tenham sido evitadas em um primeiro momento.”

Um ponto de destaque de um programa de compliance concorrencial é que, se tudo ocorrer bem, nenhum efeito será percebido. No entanto, ele não garante que violações à Lei de Defesa da Concorrência não ocorrerão, e ainda, caso ocorram, as perdas e os danos à empresa poderão ser significativos.

Diferentemente de um programa de compliance anticorrupção, como citado anteriormente, em que há como identificar os rastros do trânsito do dinheiro, condutas anticoncorrenciais muitas vezes passam despercebidas, e seus sinais são imperceptíveis como um jogo de poker. Obviamente, há casos de associação de concorrentes de forma escancarada (aos participantes, mas desconhecida por observadores externos), em que informações concorrencialmente sensíveis – tais como preços, níveis de produção, planejamento estratégico, custos etc. – são discutidas abertamente para se conhecer operações entre as empresas e visando a um alinhamento de posicionamento e atuação no mercado, prejudicando os consumidores finais.

Assim, desde que exista uma justificativa legítima para uma empresa participar de uma associação de setor, ou então interagir com um concorrente para um determinado projeto, medidas protetivas deverão ser tomadas para evitar que violações à lei de Defesa da Concorrência venham a acontecer.

Nos tempos atuais, dentro de uma economia que cada vez mais baseada em prestação de serviços ao invés de fornecimento de produtos, em que compartilhamento de informações e tecnologia é uma tendência crescente e sem volta, é mais que comum, e até aceitável, que empresas se associem, seja para alavancar volume de vendas ou sinergia de custos, complementar oferta de bens e serviços, ou mesmo adquiram concorrentes dentro de um cenário de crescimento inorgânico.

Dentro desse grande cenário, questões concorrenciais devem ser levadas em consideração pelas empresas e seus programas de compliance necessitam se estruturar para que seus funcionários, representantes e agentes possuam meios de identificar potenciais violações (ou indícios de violações) à Lei de Defesa da Concorrência e, quiçá mais importante, como se comportar e que medidas tomar para enfrentá-las.

Assim, como recomendação geral do CADE, e dentro de boas práticas do mercado, temos o seguinte:

  • “Nunca compartilhar com concorrentes informações próprias confidenciais, concorrencialmente sensíveis ou relacionadas às estratégias da empresa;
  • Não discutir, negociar, fazer acordo com concorrentes sobre preços ou divisão de mercados e/ou estabelecimento de limites de atuação no que se refere a territórios, produtos e/ou clientes;
  • Caso a conversa telefônica da qual participe com concorrentes caminhe para temas relacionados a informações concorrencialmente sensíveis, recusar-se a tratar do tema e, caso o interlocutor insista no assunto, desligar o telefone. Proceder da mesma forma ainda que esteja presente na conversa (conferência telefônica –conference call) apenas como ouvinte, avisando a todos do desligamento. Solicitar para sempre deixar registrado em ata o motivo da saída;
  • Caso a reunião da qual participe com concorrentes caminhe para temas relacionados a informações concorrencialmente sensíveis, recusar-se a tratar do tema e, caso o interlocutor insista no assunto, sair do recinto e fazer constar a recusa e o registro de saída na Ata de Reunião (se houver). Proceder da mesma forma ainda que esteja presente na conversa apenas como ouvinte;
  • Faça-se acompanhar de advogado da empresa em reuniões com concorrentes que se façam estritamente necessárias. O advogado servirá não apenas para esclarecimentos de dúvidas quanto a temas possíveis de serem abordados, como também para fiscalizar e atestar a regularidade dos temas tratados;
  • Reportar imediatamente ao Departamento Jurídico qualquer conversa imprópria de iniciativa de um concorrente ou a divulgação por ele, por qualquer meio, de informações concorrencialmente sensíveis, para conhecimento e eventuais providências pelo Jurídico da organização.”

Ainda para casos de associações, que eventualmente são situação mais presentes nas empresas, o CADE traz as seguintes orientações:

  • “Nunca se associar a entidades cujo próprio objeto é a coordenação entre concorrentes;
  • Analisar com a devida cautela quais serão os colaboradores que participarão diretamente de reuniões, evitando, quando possível, que eles sejam diretores comerciais, gerentes de vendas, e outros funcionários diretamente envolvidos com a estratégia comercial da organização;
  • Conferir instrução especial aos colaboradores participantes sobre o que pode e o que não pode ser discutido com concorrentes;
  • Sempre e todas as vezes solicitar reconhecimento em ata de tudo quanto ocorrer nos encontros, sendo especialmente importante que, uma vez que a empresa acredite que o tópico de discussão apresenta risco concorrencial, ela se retire da reunião e tenha esse fato registrado;
  • Fazer exame prévio das pautadas reuniões, recusando-se de antemão a participar daquelas em que o objetivo do próprio encontro seja discutir temas concorrencialmente sensíveis;
  • Ao comparecer em reuniões nas quais os concorrentes estejam presentes, não se engajar   em   atividades   legalmente   proibidas   mesmo   se   elas   forem “oficialmente aprovadas” pelo grupo que estiver promovendo a reunião ou por outras pessoas que já estiverem delas participando;
  • Ao tomar conhecimento de qualquer atividade proibida no âmbito da associação/sindicato, contatar imediatamente a equipe de compliance;
  • Sempre revisar e aprovar o conteúdo a ser divulgado pela associação/sindicato.”

Essas recomendações de conduta visando a evitar e mitigar comportamentos e ações anticoncorrenciais são a espinha dorsal e podem ser consideradas “gerais” dentro de um programa de compliance concorrencial. Recomendações adicionais poderão ser complementadas conforme a realidade, o mercado e a indústria de cada organização.

Na próxima semana, finalizaremos esta série de 3 artigos trazendo questões do dia a dia de um programa de compliance concorrencial em relação a outras áreas, na condução dos negócios das organizações e treinamentos.

Um abraço!

[1] Guia de Programas de Compliance – Orientações sobre estruturação e benefícios da adoção dos programas de compliance concorrencial; disponível em https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf

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