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Escritórios de advocacia investem em compliance interno para mitigar riscos

Bancas criam canais de denúncia, comitê de aprovação de clientes e guia de conduta para relacionamento com setor público

Um efeito visível da Lei Anticorrupção (12.846/13) e da Operação Lava Jato foi a estruturação de setores de compliance por parte das empresas. Uma pesquisa da Deloitte mapeou que, enquanto em 2013, 30% das empresas pesquisadas tinham um programa de conformidade estruturado, em 2016 o número já havia saltado para 65%.
Dois anos depois já é possível identificar um novo movimento. Escritórios de advocacia, que prestam serviços para empresas e também para o poder público, passaram a criar suas próprias áreas de compliance — não aquela já conhecida para atender a clientes, mas para adequar a estrutura interna da banca às melhores práticas.

As bancas têm percebido que soa um tanto contraditório prestar o serviço de compliance se elas não têm um setor que as ajude a olhar para suas práticas, identifique problemas próprios da advocacia e mitigue riscos.

“As empresas têm estruturado setores de conformidade e, geralmente, quem as representa são advogados externos. Hoje, antes de ser contratado, a empresa faz uma due diligence de integridade nas bancas, pedindo que o advogado mostre quais são seus próprios mecanismos de compliance”, explica Renato Vieira Caovilla, sócio do Carvalho, Machado e Timm Advogados.

O movimento ganhou força depois de episódios pouco abonadores envolvendo a advocacia. Em 2016, por exemplo, advogados foram presos e condenados por suposto envolvimento com o crime organizado.

No ano passado, veio à tona um possível conflito de interesses envolvendo a contratação do procurador Marcelo Miller pelo escritório Trench Rossi Watanabe.
Miller é acusado de atuar nos dois lados do acordo de leniência da J&F. Hoje, tanto ele quanto Esther Flesch, então sócia responsável pela área de compliance do escritório, são réus por corrupção passiva. O escritório sempre negou irregularidades.

O sócio do Trench Rossi Watanabe Francisco Ribeiro Todorov disse que não poderia falar de casos concretos, como o de Marcelo Miller, mas afirmou que a banca observou que o compliance é uma demanda de todas as organizações, inclusive da advocacia.

“Estamos iniciando um processo grande de treinamento de conduta interna, que vai passar por todo mundo do escritório”, disse Todorov. “O que faz funcionar o sistema de conformidade é um constante feedback das políticas que foram implementadas. Nenhuma instituição vai chegar um dia e dizer que o compliance é perfeito. Isso não existe.”

Mercia Carmeline Alves Bruno, sócia do FBC Advogados, tem estudado o tema de compliance em escritórios. Ela tem, inclusive, sido convidada por institutos para desenvolver trabalhos e criar normas a serem seguidas pelas bancas.

De acordo com ela, a sociedade de advocacia tem riscos próprios, que um compliance pode ajudar a identificar. “Falha na representação de clientes, problemas envolvendo conflitos de interesses, quebra de sigilo profissional, publicidade em desacordo com o código de ética da OAB, informações inconsistentes e desatualizadas dos processos são alguns desses possíveis problemas”, explicou a advogada.

Daniel Soares, responsável pelo compliance interno do Ulhôa Canto, Rezende e Guerra Advogados, resume o movimento da seguinte forma: “Não bastava pensar para fora, mas também internamente. Ao mesmo tempo que víamos as empresas se preocupando com controles internos, pensamos que isso não deveria ser diferente nos escritórios.”

Casos

Conflito de interesses e aceitação de clientes são um ponto central no compliance dos escritórios. Tanto é assim que essas questões têm sido delegadas a comitês de conformidade.

O escritório Levy & Salomão Advogados, por exemplo, afirma não aceitar, em hipótese alguma, novos clientes que cometam crimes ou infrações graves de forma continuada.

“Claro que o advogado serve para defender pessoas ou empresas que tenham algum problema, mas não aceitamos clientes que tenham relação com crimes violentos, tráfico, envolvimento seguido em estelionato ou até mesmo diversos crimes do colarinho branco”, explicou Eduardo Salomão.

Antes, disse ele, presumia-se que o cliente tinha negócios lícitos só solicitando as declarações financeiras. “Agora, passamos a exigir não só isso, mas também a comprovação de que os recursos têm origem lícita”, exemplificou o advogado.

Na mesma linha funciona o Trench Rossi. “Vamos supor que chega uma empresa de fachada do PCC. Não vamos trabalhar. Mas só saberemos isso ao fazer uma investigação”, resumiu o sócio.

A preocupação é tamanha, que o Pinheiro Neto, segundo o sócio José Alexandre Buaiz Neto, deixou de pegar casos por uma questão de “dificuldade de saber o que acontecia dentro de determinada empresa”.

No escritório Ulhôa Canto, além de fazer a avaliação ética do cliente, um comitê é incumbido de verificar se há algum possível conflito de interesse do novo caso com algum outro processo já tratado pela banca.

“O conflito existe, por exemplo, quando um cliente nos procura para emitir um parecer em um determinado assunto, mas aí avaliamos que já demos opinião naquela matéria em sentido diverso. Aí nós recusamos, pois precisamos zelar por nossa coerência”, explicou Soares.

Agentes públicos e clientes

Outro ponto para o qual escritórios de advocacia têm olhado com mais cuidado é no relacionamento do advogado com agentes públicos, seja na condição de cliente ou de autoridade.

“Quando os advogados são tratados pelo poder público, há uma série de regras que têm de ser observadas: constar sempre na agenda formal da autoridade, ter uma segunda pessoa presente, mostrar boa-fé e representar os interesses”, declarou Eduardo Salomão.

No Pinheiro Neto, por exemplo, o sócio José Alexandre Buaiz Neto afirma ser   “impensável” que um advogado júnior vá sozinho se comunicar com uma autoridade, por uma questão de experiência – ou falta dela. “Nosso plano de carreira aponta como o relacionamento deve ser feito, além de um treinamento constante de como se comunicar.”

A busca por uma maior conformidade trouxe uma solução criativa para o Trench Rossi. Clientes passaram a ser visitados por sócios que não estão envolvidos com o caso dele para averiguar como está o relacionamento com o escritório.

“Fazemos uma entrevista para saber se houve algum problema e o que pode melhorar. Posteriormente, encaminhamos os comentários internamente”, comentou Todorov.

Canal de denúncias

Algumas bancas também têm apostado em canais de denúncia para que os funcionários comuniquem eventuais desvios diretamente à sociedade.

No Ulhôa Canto, um endereço de e-mail foi disponibilizado para todos os funcionários para que possam fazer denúncias de forma anônima.

“Pode ser relatado tudo o que for contra os princípios do escritório, como falta de respeito, assédio moral, sexual e até condutas inapropriadas dos advogados, fornecedores ou clientes”, afirmou Soares.

No Trench Rossi Watanabe, Todorov explica que há uma sócia na banca responsável pelo acompanhamento de uma hotline em que também é possível denunciar de forma anônima.

“A maior parte das reclamações não tem fundamento, mas nenhuma deixa de ser investigada, até para preservar quem está sendo acusado”, reiterou o sócio. Segundo ele, tudo é catalogado e registrado em um relatório.

Outros escritórios, no entanto, não contam com a mesma prática. No Pinheiro Neto, a cultura da banca é a de que qualquer problema deva ser reportado ao chefe direto, sem anonimato.

Eduardo Salomão explica que no Levy & Salomão também não há cultura de comunicações anônimas.

“O tema da denúncia não é nossa atividade, e um canal formal e secreto não é um bom exemplo para os profissionais”, opinou. “Nos orgulhamos da comunicação transparente: qualquer sócio ou funcionário que tiver alguma coisa a dizer, que perceber que alguma coisa não está sendo tratada, precisa conversar com o sócio responsável.”
JOTA | BY GUILHERME PIMENTA

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