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Artigo: Compliance Concorrencial, parte 3

Por Murilo Pastori Roberti

Mas… e no dia a dia das empresas?

Como já comentado acima, compliance concorrencial pode não dispor de ferramentas e controles tão exatos como um medidas de compliance anticorrupção. É algo que deve estar mais presente de maneira preventiva e fazer parte da cartilha de trabalho de todos os funcionários (ou aqueles que estão mais expostos a situações já identificadas neste texto).

Então as palavras-chave para este tema são: comprometimento e treinamento.

Comprometimento

Comprometimento é a essência de qualquer programa de compliance, isso não há o que discutir, e em todos os níveis (“tone at the top”, “tone at the middle” e “tone at the botton”).

Com controles internos, sistemas de verificação, níveis de aprovação automatizados, fluxos de trabalho sistematizados e todo um aparato tecnológico para gestão e monitoramento, certas ações e condutas de colaboradores de qualquer nível hierárquico ficam extremamente limitados, sem chances de desvios. A vigilância contínua restringe a oportunidade[1].

No entanto, se um programa de compliance concorrencial acaba tendo controles mais subjetivos, não automatizados e essencialmente dependentes do input humano, o comprometimento de todos os funcionários deve estar em níveis máximos. Eles devem se comprometer a conduzir seus negócios de maneira livre e independente, de modo a se empoderar para identificar e agir proativamente, de maneira a conter qualquer tentativa de violação de conduta (das normas e da lei).

Conhecer o ambiente em que uma empresa atua é um ponto básico para estruturação de qualquer programa de Ccompliance. Em ambientes sensíveis a questões concorrenciais, o gerente (ou diretor) responsável pelo programa de compliance (Compliance officer) necessita conhecer o negócio da empresa pormenorizadamente para que possa contribuir de maneira construtiva às relações comerciais em que a empresa se engaja, garantindo a aplicação da lei e das normas, e não ser um oficial que vai focar somente em ações restritivas ou punitivas, impedindo o avanço de negociações.

Para isso, as áreas de negócios da empresa devem estar abertas a ter a figura do Compliance Officer mais presente em suas reuniões com clientes, parceiros, associados, agentes e distribuidores. Ele será encarregado não somente de supervisionar os encontros sob a ótica da conformidade com a lei, mas também em garantir que adequada documentação seja preparada, validada e arquivada, mantendo registros oficiais para fins de auditoria e, caso necessário, suporte para investigações que eventualmente ocorram.

Treinamento

Comprometimento não é algo que se consegue através de um simples pedido ao público em geral, ou de um decreto, ou ainda através de um memorando interno. Também não se atinge comprometer alguém com algo se não houver constante aprendizagem, renovação, reciclagem. Nesse quesito, vale a máxima da “educação por repetição”.

Muito mais do que um treinamento geral para um público definido, ou simplesmente o cumprimento de um protocolo para se criar registro de conformidade com o artigo nº 42-IV do decreto de lei nº 8.420 de 18 de março de 2015, treinamentos em questões concorrenciais necessitam ser frequentes (muito mais do que o normal) e direcionados a diferentes públicos (vendas, operações comerciais, engenharia, compras, financeiro etc.), levando em consideração a realidade em que a empresa se encontra, seja em um mercado em que necessita interação com concorrentes para complementar uma proposta de trabalho legitimamente solicitada por um cliente, seja em associações em que seus executivos e colaboradores fazem parte.

Como exemplo, para uma empresa que necessita se associar através de parcerias (consórcio, joint-venture) para execução de um determinado projeto, recomenda-se que o Compliance Officer, ou um advogado interno, participe das reuniões em que houver presença de concorrentes (sejam eles potenciais ou reais, diretos ou indiretos). Aliás, o envolvimento do Compliance Officer ou do advogado interno é importante também nas discussões internas que envolverem o projeto que necessita associação; assim, poderão absorver mais informações e conhecer o contexto completo, o que permitirá contribuir mais efetiva e positivamente, traçando medidas protetivas para riscos emergentes deste os primórdios da questão.

Sua atuação, ou de equipe específica sob gerenciamento do Compliance Officer, também pode ocorrer na gestão de toda a documentação necessária para respaldar essas interações com públicos externos, através de gestão de agendas (pauta e programação), elaboração, revisão e assinatura de atas de reuniões, redação de acordos, contratos e memorandos ou outros documentos que se fizerem necessários.

Esse envolvimento ainda possibilitará disparar outras ações relacionadas a compliance, como avaliações de terceiros (due diligence), solicitação de reconhecimento de normas e políticas de compliance ou ainda engajamento de advogados de outras áreas de especialidade (empresarial, trabalhista, tributário, M&A, concorrencial etc.).

Importante destacar que, procedendo com envolvimento antecipado da equipe de compliance, permite-se abrir banda às áreas de negócios para focar em suas atividades comerciais, sem desviá-los para tarefas corporativas. Porém, isso não significa que poderão passar sem se importar com o tema ou até mesmo ignorar a questão.

Outro exemplo, em casos em que a empresa atua em feiras, congressos ou exposições, é importante que as equipes de linha de frente recebam orientações específicas sobre cada um dos eventos que participará. Assim, cria-se a oportunidade de rever todos os conceitos e recomendações legais e internas sobre a conduta apropriada para esses eventos e destacar potenciais riscos e conflitos em interações com concorrentes.

E ainda, para situações em que a empresa possui alta participação de mercado, como por exemplo mais que 50% de market share, recomendam-se cuidados também em feiras, congressos ou exposições, principalmente em discursos que deem a entender uma posição estratégica ou uma decisão da empresa. Algumas declarações, por mais simples ou informais que possam parecer, podem acarretar interpretação equivocada e resultar em influências em decisões de concorrentes, o que pode ser configurado como manipulação de mercado. Novamente, treinamentos específicos sobre essas interações e declarações são altamente recomendadas, a cada oportunidade em que a empresa se engajar.

Conclusão

Questões concorrenciais são extremamente relevantes na operação de qualquer empresa.

Conhecer quem são os concorrentes é uma tarefa diária e estratégica para que as empresas possam, juntamente com informações do mercado consumidor, se posicionar e oferecer seus bens e serviços.

No entanto, toda essa orquestração deve ocorrer de maneira independente, sem uso de condutas impróprias que violem a lei de Defesa da Concorrência.

Como todo risco, este pode ou não ser um tema presente na operação das empresas. Então medidas preventivas somente necessitariam ser estabelecidas se faz sentido abrir esta frente de atuação de compliance.

Faz-se importante destacar igualmente o envolvimento de advogados especializados para proporcionar o devido aconselhamento legal.

Assim encerramos a série de 3 artigos sobre compliance concorrencial. Esperamos que tenham sido interessantes e que possam ter contribuído em suas atividades profissionais.

Caso queiram saber mais sobre o tema ou compartilhar suas experiências, entre em contato através de nossas redes sociais.

Um abraço!

[1] Ver sobre o Triângulo da Fraude: Racionalização, Pressão e Oportunidade (Donald Cressey)

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