Compliance concorrencial
Por Murilo Pastori Roberti
Introdução
Na maioria das vezes, a primeira coisa que nos vem à mente quando falamos de compliance são atos de corrupção, cuja mitigação se dá através de um programa de compliance anticorrupção passível até de certificação.
No entanto, muitos atos de corrupção se dão em um ambiente competitivo manipulado. Para este tipo de questão, a lei federal 12.529/2011 tenta regular e dela se estabelecem programas de compliance concorrencial.
E é esse tema que tratarei aqui em 3 artigos ao longo das próximas semanas, que trarão:
- contextualização e legislação,
- programa de compliance concorrencial e boas práticas; e
- ações práticas para o dia a dia das empresas.
Espero que possa contribuir.
Um abraço e boa leitura!
Murilo
Contextualização
A lei federal nº 12.846/2013 (anticorrupção) foi fruto de grandes esforços de diversas frentes para se combater corrupção a nível nacional.
Quando se fala de corrupção, dois elementos em especial chamam a atenção do público: os envolvidos no ato da corrupção, geralmente agentes públicos e executivos da iniciativa privada, quase sempre de altos escalões, tanto de um como do outro, e os valores transitados nesses atos de corrupção, frequentemente na casa dos milhões de Reais (não raros também na casa dos bilhões).
Corrupção também tem algo de fantasioso que chama a atenção de todos pelos esquemas e percursos pelos quais o dinheiro tramitou, de forma a não constar nos livros contábeis oficiais de empresas e de cofres públicos, para despistar até o mais treinado cão farejador. Diversas são as opções de filmes e documentários disponíveis nas mais variadas plataformas de streaming (“O Mecanismo”, “Jogo Comprado”, “No Rota do Dinheiro Sujo”, só para citar alguns documentários na Netflix.).
No entanto, como matemática é uma ciência exata e os números têm que bater na linha final da planilha de resultado, levando em consideração a máxima que diz que “o crime sempre deixa rastros”, as organizações estão se estruturando de modo a garantir o correto fluxo do dinheiro, através de controles internos e barreiras tecnológicas, atuando na ponta da “oportunidade” do Triângulo da Fraude[1] de Cressey. Então, é possível identificar para onde o dinheiro vai e de onde ele veio.
No entanto, o que nem sempre leva tanto destaque é que atos de corrupção, na maioria das vezes, ocorrem tendo como pano de fundo um esquema de violação da livre concorrência, através de sua formação mais conhecida, um cartel.
Apesar de incrementos constantes na luta contra condutas anticoncorrenciais por parte do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, e outras autoridades, os valores envolvidos em desvios, superfaturamentos e corrupção, embora igualmente surpreendentes, parecem que não possuem um apelo midiático tão forte. Essa é uma diferença observada quando comparamos os crimes de corrupção com crimes contra a livre concorrência.
Outro ponto que os diferencia é que combinações de mercado entre concorrentes, no caso de carteis, podem não deixar rastros, mesmo em tempos em que os meios de comunicação estão extremamente interligados, o que torna o combate a crimes contra a ordem econômica mais subjetivo e complicados.
Legislação
A lei que dispõe sobre questões concorrenciais é a de número 12.529, de 30 de novembro de 2011, a qual estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, estabelece o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, e dá outras providências.
As infrações que constituem infração da ordem econômica são definidas no Art. 36º, incisos I a IV, de maneira geral e na tentativa de se cobrir condutas chamadas anticoncorrenciais; são eles:
- limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
- dominar mercado relevante de bens ou serviços;
- aumentar arbitrariamente os lucros; e
- exercer de forma abusiva posição dominante.
No entanto, ao tentar prever todo tipo de ato que possa ir contra a ordem econômica, a lei elenca, de forma não exaustiva, uma série de condutas. Dentre elas, a primeira e que acaba sendo a mais comum em se tratando de cartel, versa sobre Art.36º, §3º, I:
- acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:
- a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;
- b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;
- c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;
- d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública.
Tal inciso mostra a grande abrangência que a lei possui e quão vasto é o campo de atuação de empresas contraventoras em atuarem de maneira orquestrada no mercado, em prejuízo ao consumidor final, e ainda “sob qualquer forma”.
Definitivamente não se trata de uma ciência exata para se coibir atuação de empresas e indivíduos contra a livre concorrência.
Para se aprofundar no tema, deixando de lado a leitura técnica da Lei 12.529/2013, deixo como recomendação de leitura o livro publicado pela Editora Trevisan, “Compliance: concorrência e combate à corrupção”, de Francisco Schertel Mendes e Vinícius Marques de Carvalho.
Até a próxima semana!
[1] Ver sobre o Triângulo da Fraude: Racionalização, Pressão e Oportunidade (Donald Cressey)